Ele fazia parte do grupo de monitoramento e vigilância do território, palco constante de ameaças e invasões de grileiros, madeireiros e garimpeiros; em nota, Apib associa violência à política do governo Bolsonaro
Por Maria Fernanda Ribeiro
O indígena Ari Uru-eu-wau-wau, 32 anos, foi encontrado morto na manhã deste sábado na estrada de terra que liga a cidade de Jaru, em Rondônia, até a terra indígena que leva o nome da etnia, no distrito de Tarilândia. Ari teria sido assassinado com golpes na cabeça. Ele fazia parte do grupo de monitoramento e vigilância do território, palco constante de ameaças e invasões de grileiros, madeireiros e garimpeiros.
Na semana passada, a reportagem do De Olho Nos Ruralistas teve acesso a um áudio que denunciava a presença de invasores na área e avisava que um indígena tinha visto um caminhão de tora — veículo que carrega madeira — e um trator na entrada da aldeia do Alto Jaru. Também havia vestígios de sacos plásticos e outros materiais deixados pelos invasores. São recorrentes as ameaças de morte sofridas pelos indígenas, com relatos de tocaias e emboscadas.
Este é o segundo assassinato de lideranças indígenas em menos de vinte dias. Zezico Guajajara, professor e líder que lutava pela proteção do território Guajajara foi brutalmente assassinado, no Maranhão, no dia 31 de março. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, demarcada em 1991, possui as nascentes dos principais rios de Rondônia, entre eles os Rios Cautário, Pacaás Novos, sendo o berço de doze sub-bacias hidrográficas importantes para a economia, equilíbrio climático e preservação da biodiversidade.
O relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre conflitos no campo em 2019 menciona exatamente o povo Uru-eu-wau-wau como uma das etnias mais atingidas: “A cada três famílias vítimas de conflitos no campo, em 2019, uma era indígena“.
‘NÃO ESTAMOS EXPOSTOS APENAS AO CORONAVÍRUS’
Segundo nota divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Ari integrava o grupo de vigilantes e protetores do território de seu povo e estava ameaçado pelos criminosos responsáveis pelas invasões e devastações na região. Confira a nota:
— No momento em que buscamos intensificar ações de proteção aos nossos territórios, devido às ameaças da pandemia da Covid-19, recebemos com tristeza e indignação a notícia do assassinato de Ari Uru-eu-wau-wau. A violência contra os povos indígenas só aumenta e este crescimento tem relação direta com a política genocida do governo Bolsonaro. Nós, da Apib, reforçamos a necessidade de medidas urgentes de proteção dos nossos territórios e das nossas vidas. Não estamos expostos apenas ao coronavírus, os crimes cometidos por madeireiros, garimpeiros e grileiros seguem intensos, violando nossos direitos e destruindo nossa natureza.
As invasões dentro do território indígena dos Uru-eu-Wau-Wau têm sido denunciadas há muitos anos. Em uma delas, uma nota pública redigida pela associação do povo indígena, em conjunto com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em 2018, alerta para as violações de direitos dentro da TI , para as constantes invasões e para a política de destruição da Fundação Nacional do Índio (Funai).
“Os indígenas e a Kanindé vêm denunciando há muito tempo as invasões e pedindo providências”, dizia a nota. “No entanto, poucas ações têm sido realizadas para conter os invasores. A Funai, órgão responsável pela proteção do território e dos indígenas, encontra-se sucateada e sem recursos humanos e equipamentos para atuar na defesa da integridade física e territorial do povo indígena, precisando urgente que o governo federal dê condições para a Coordenação Regional da Funai em Ji-Paraná atuar na defesa da vida e do território indígena.
A presença de invasores em áreas indígenas se tornou um motivo maior de preocupação devido à pandemia do coronavírus entre os povos originários, pois eleva ainda mais o risco de transmissão do vírus. Indígenas são considerados especialmente vulneráveis à pandemia por conta da menor imunidade (especialmente entre os povos isolados) de costumes que tendem a facilitar a disseminação de doenças respiratórias e da ausência de hospitais em seus territórios.
O grupo de vigilância e monitoramento da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau existe há dois anos. Ari era casado e deixa dois filhos.
Foto principal: Gabriel Uchida/Divulgação